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Quarentena

Estou em casa há vinte e cinco dias. Trancada em regime de semiliberdade. Sem previsão de quando poderei sair. Falar em segurança hoje parece irrisório. As pessoas se cobrem, se lavam o tempo inteiro e estão mais conscientes do que nunca sobre a frequência que costumam tocar o próprio rosto. Hábitos de higiene que já deveriam ser rotineiros são ensinados a todos pela televisão, como informações novas e revolucionárias. Máscaras de pano são improvisadas e o álcool em gel virou item de necessidade básica, presente em todas as listas de compra feitas no último mês. 

O inimigo é invisível e, por não sabermos se ele está lá, nos comportamos como se estivesse em todos os cantos. Uma simples ida ao supermercado é acompanhada de uma dose de ansiedade e bastante paranoia. E não sou só eu, noto que as pessoas se olham desconfiadas, com medo umas das outras, pois qualquer um pode ser o portador do mal que nos rodeia.

Agradecemos pela internet e aplicativos que nos permitem fazer compras online, no conforto e segurança de nossos sofás. Mas alimentamos um sistema que obriga trabalhadores a continuarem se expondo diariamente para dar conta da logística e das entregas. 

Vivemos um cenário que até então só havíamos visto em livros e filmes, fruto de mentes criativas. Conhecendo a dita natureza humana, algumas previsões se mostraram precisas, porém agora mudamos de papel, ao invés de espectadores, somos protagonistas de um verdadeiro show de horror. Em muitos momentos vemos o egoísmo prevalecer, o medo falar mais alto e o pânico nos dominar. Porém, também presenciamos, recebemos ou damos, gestos de amor e empatia. Precisamos, de uma vez por todas, entender que estamos juntos nessa e é apenas assim que teremos forças para superar e continuar. 

Ver as ruas vazias, o céu claro e limpo com a diminuição da poluição é lindo e assustador na mesma proporção. A vida se escancara diante dos nossos olhos, o impacto do ser humano na natureza fica nítido sem toda a fumaça e caos que produzimos diariamente. Que o tempo em casa nos faça repensar valores, que a saudade nos ajude a melhorar nossas relações e que o susto nos obrigue a redefinir prioridades. Cuidar do realmente importa, valorizar aquilo que descobrimos ser essencial. 

Mais do que ficar em casa, é tempo de voltar-se para dentro, revisitar-se e aprender a se sentir bem na própria companhia. Encontrar sim refúgios, pois há momentos em que é preciso fugir da realidade que nos assombra a partir da porta de casa, quando não do lado dentro. Mas também cuidar-se, valorizar-se. Não se iludir com a falsa noção de produtividade. Tudo bem ficar mal, o mundo está doente, afinal. Mas também é preciso saber levantar e se adaptar: adotar uma rotina – provisória – para que a vida siga, precisamos ter algo em prol do que lutar. É uma fase e, seja lá qual for a curva, a humanidade há de superá-la. 

Estou tentando viver um dia de cada vez. Às vezes acordo disposta e consigo ter um dia produtivo de trabalho, aproveito para assistir aulas online e consumir um pouco do conteúdo que tantas empresas nos disponibilizaram nesse período. No dia seguinte posso acordar sem apetite, sem vontade de tomar banho ou até sem coragem de sair da cama. As notícias assustam e tiram o sono, pensar em pessoas que vivem em situação de maior vulnerabilidade do que a minha me traz um sentimento de impotência que dói no peito. Respiro fundo e torço para que o próximo dia seja melhor. Dias melhores para mim e para nós, é o que desejo. 

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