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Um lugar vazio na platéia

Sábado, mais um dia de espetáculo. Fazia três semanas que a peça estava em cartaz, só conseguimos lotar a casa na noite de estreia, mas desde então vínhamos conquistando um público razoável, o suficiente para pagar o aluguel do teatro e manter a trupe motivada o bastante para passar suas noites em cima do palco.

Ele ainda não viera me ver. Eu sabia que não aprovava minha carreira de atriz e que, assim como meus pais, achava que eu devia parar de tentar investir no teatro e arrumar um emprego que pudesse oferecer um mínimo de estabilidade. A única diferença é que era mais hábil em disfarçar sua insatisfação. Me parabenizara quando consegui o papel e respeitava os horários de ensaio. Mas na grande noite de abertura do espetáculo ele não compareceu. Disse que surgira um trabalho de última hora e que ele não poderia recusar, então passaria a noite toda na frente do computador, editando suas fotos. A desculpa perfeita para não vir. Melhor do que meu pai, que alegou que não ficaria até tão tarde na rua e que precisava dormir cedo. No dia seguinte faltou novamente, e na outra semana simplesmente não tocou no assunto.

“Edu, precisamos conversar”, protestei na segunda-feira seguinte, quando nos encontramos para o habitual café da tarde. Ele alegou estar muito ocupado com seus projetos e terminou com “temos que priorizar o trabalho, você sabe”. Sim, eu sabia, e lhe respondi isso. Ele me devolveu uma risada amarga e um “trabalho que dê dinheiro, já que alguém tem que ter algum”.

Mais uma vez se mostrou contra minha carreira e aquilo que eu considerava ser minha vocação. “Obrigada por tornar as coisas mais fáceis”, respondi antes de tirar minha aliança prateada e deixar em cima da mesa, junto com uma nota alta o bastante para pagar a conta e o resto frio do meu café na xícara manchada de batom vermelho.

Fui embora e me concentrei nos ensaios da semana e nos escritos para o blog, que geravam alguma renda.

Até que cheguei aqui hoje, pronta para mais uma noite no palco e dei de cara com ele, me esperando na entrada dos fundos da casa. Ele disse meu nome e acenou com o buquê de flores na mão. “Finalmente consegui uma brecha no trabalho para vir te assistir”. Parei a certa distância dele, tentando me manter impassível a seu perfume e às flores – gesto raro nos últimos anos. “Ótimo, vou pegar um ingresso na bilheteria”, eu disse e ele respondeu tirando um bilhete do bolso, indicando que já comprara um.

“Será que podemos conversar? ”. “Eu… Não posso demorar. A apresentação começa daqui a dez minutos”. Ele suspirou. “Certo, acho que é tempo suficiente para pedir desculpas por ter te evitado nas últimas semanas”. Senti algo amolecendo dentro de mim e tentei disfarçar em minha voz, perguntando por seus motivos.

“Eu realmente preciso entrar”, insisti. Peguei o buquê de suas mãos e passei por ele, entrando pela porta dos fundos enquanto ele seguia para a da frente.

Me recompus o bastante para entrar em cena e fazer minha melhor apresentação. A casa estava razoavelmente cheia e a apresentação foi animada. A luz refletia em minha roupa prateada e eu me sentia viva, por estar em cena. Ele não desviou os olhos do palco nem por um minuto.

Assim que as cortinas se fecharam, me reuni com meus colegas e ficamos de mãos dadas no centro do palco, aguardando que se abrissem novamente para então darmos um passo para frente e agradecermos ao público. Saímos do palco e eu não tive pressa em tirar o figurino e voltar às minhas calças habituais. Vesti um casaco por cima da roupa, para me esquentar e refiz a maquiagem, mais delicada dessa vez.

Aos poucos os atores foram saindo e deixando o camarim vazio. Guardei os acessórios de minha personagem no armário e joguei meus pertences na bolsa. Voltei até o palco e de longe o avistei, ainda sentado em sua poltrona. Assim que me viu, ele se levantou e veio a meu encontro. Me sentei no chão do palco e fiquei com as pernas penduradas, devido à altura em que me encontrava. Ele se aproximou, apoiou as mãos na beirada e se impulsionou para subir e ficar ao meu lado.

Ficamos em silêncio, apenas ouvindo o barulho de nossas respirações e algumas risadas abafadas que vinham dos fundos, até que ele finalmente quebrou o gelo entre nós: “Ter ver no palco é sempre… Você é boa. Tenho medo que dê certo, que você se afaste de mim, que seus planos mudem, que os nossos planos mudem”. Fiquei paralisada, absorvendo suas palavras e pensando em como lhe explicar que nada mudaria. Que tudo o que eu mais queria era ser atriz, mas que as coisas só faziam sentido quando ele estava ao meu lado, essa versão dele, e não a das últimas semanas, mal-humorada, distante e ácida. Essa última era a que me deixava com vontade de me afastar. Sorri e apoiei minha mão sobre a sua. “Nenhuma história termina antes de se encontrar o mocinho”, sussurrei em seu ouvido.

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