Era carnaval. Eu odeio o carnaval. As pessoas usam o feriado como desculpa para agirem da forma que gostariam de agir no restante do ano se não lhes faltasse coragem. Assumem que o que acontece durante os quatro dias de festa não tem consequências em suas vidas, é como um pequeno intervalo, onde tudo é permitido. Tudo pode acontecer.
E o feriado é tão aguardado que muitos procrastinam e só começam a encarar o ano novo depois de sua passagem. Um grande atraso na vida e na economia do país. E por falar em economia, milhões de reais são gastos para promover o desfile das escolas de samba, e poucos dias após a festa encontramos restos mortais dos carros alegóricos descartados em terrenos baldios pela cidade. Pura produção de sucata.
E ainda chamam isso de festa! E tem ainda o carnaval de rua, então, por dois finais semana, as ruas são dominadas por jovens que ficam caminhando e bebendo no meio das avenidas, sem se importarem com o rastro de trânsito e a sujeira que deixam no caminho. Todos fantasiados, como se não usassem máscaras o tempo todo.
Mas não é por isso que eu odeio o carnaval. Não, os desfiles são bonitos e poder dar uma pausa na rotina é sempre bom. Eu não gosto é das lembranças que essa data carrega em minha vida.
Foi num sábado de Carnaval em que conheci o Fábio. Numa festa na casa de um colega de faculdade. O dia estava ensolarado, o samba rolando solto, e a cerveja gelada. Fomos apresentados pelo dono da casa e passamos quase a tarde toda conversando, até que no fim do dia ele me ofereceu uma carona para ir embora.
No carro, continuamos a conversar e trocamos nossos contatos, para que a coisa não parasse por ali. Dois dias depois já estávamos em um primeiro – ou segundo – encontro. As coisas entre nós aconteceram em um ritmo acelerado, ritmo de carnaval. Logo começamos a namorar, mesmo que eu mal soubesse na época o que era um namoro.
Aprendi ao seu lado o que era estar em um relacionamento, gostar de alguém e abrir espaço para que se encaixasse em minha vida. Conheci sua família e o apresentei para a minha, e logo ficamos íntimos dos amigos um do outro. Fomos interligando nossas vidas de forma natural, como se sempre tivéssemos pertencido um ao outro. Assim, aprendi também a lidar com ciúmes e a equilibrar os afazeres pessoais e as amizades com a vida a dois.
Amadurecemos muito juntos e logo os planos de uma vida em conjunto começaram a rondar nossas conversas. Falávamos em viajar, morar juntos e até adotar um cachorro.
Sobrevivemos ao nosso primeiro carnaval, um ano depois, estávamos na praia com a família dele. Porém, no segundo ano, as coisas começaram a mudar. Ele estava trabalhando em uma nova empresa e começou a sair mais com os novos amigos e eu não pude deixar de notar que nunca era convidada a sair com eles.
Então tivemos uma briga, no fim de semana do carnaval, porque ele queria sair para jogar futebol com os amigos e passar o feriado com eles. E eu queria que ficássemos juntos: propus viagem, piquenique e até maratona de filmes, mas ele não cedeu. Então eu disse que também sairia com as minhas amigas. E a pior ideia que tivemos foi essa, curtirmos um dia de carnaval.
Liguei para as meninas e combinei de ir em uma festa de rua com elas, me fantasiei com um vestido branco com asinhas de anjo e coloquei uma máscara branca por cima do rosto. Me diverti com minhas amigas como há muito não fazia. Acabei bebendo um pouco mais do que devia, afinal já perdera o costume de ter álcool em meu organismo. E, no meio da festa, um moço fantasiado de Batman começou a dançar muito próximo a mim, eu me esquivei, mas ele insistiu. Perguntei seu nome, e assim começamos a conversar. Não sei como aconteceu, mas em menos de cinco minutos eu tinha a língua de Flávio enfiada em minha garganta.
Durante beijo ele tirou minha máscara. Quando nos afastamos, ele arregalou seus olhos e gritou meu nome. Só então reconheci aquela voz familiar: Fábio. Eu flertei e beijei meu namorado no carnaval, pela segunda vez. Saímos do meio da multidão e fomos até a calçada. Nenhum dos dois sabia por onde começar: se explicar ou pedir explicações?
Depois de muita conversa e muita briga, decidimos que não deixaríamos que o acontecido acabasse com o nosso namoro e fomos juntos para casa. Mas a verdade é que o carnaval acabou com o meu namoro da mesma forma como começou. Nunca conseguimos superar que ambos nos traímos, e o fato de ter sido um com outro não foi romântico, foi, no máximo, irônico.
Menos de um mês depois decidimos terminar, já não havia mais confiança entre nós. E desde então detesto essa data funesta que constrói e destrói em minutos tudo aquilo que sonhamos e lutamos o ano todo para conseguir.