Quando eu era criança, minha mãe elogiava tudo o que eu fazia: não importava se estava realmente bom ou não, pois aos olhos dela, tudo era lindo e bem feito. Mas meus desenhos não eram lindos, minhas pinturas muito menos, e não havia nada de extraordinário em ajudar nas tarefas de casa. No fim, isto gerou uma pressão em ter que fazer tudo sempre da melhor forma possível, afinal eu não queria correr o risco de desagradá-la. Valeu, mãe.
Pra contrabalancear a situação, eu tinha meu pai, que não valorizava nada do que eu fazia. Não assistia minhas apresentações na escola e, ao ver meus boletins, dizia que eu não havia feito mais do que minha obrigação e que ele não esperava menos de mim. Acho desnecessário dizer que isto arrasava a minha já pouca confiança em mim. Valeu, pai.
Eu cresci e descobri ser uma pessoa insegura, que sempre queria fazer algo bom e provar que era capaz, mas provar para quem? Acho que eles deram um nó na minha cabeça, uma por me valorizar demais e o outro de menos. Levei a insegurança para toda a vida. Não era só na escola que eu tinha dificuldades, era com o meu corpo ao dançar, com minhas decisões, especialmente na escolha profissional, com meus relacionamentos amorosos e até com as amizades.
E eu os culpei por isto, por mais tempo do que eu gostaria de admitir. É claro que eles me influenciaram, afinal foi a forma como eles me apresentaram o mundo: com um nível de aceitação muito elevado de um lado e muito duro de outro, pautado sempre no dever e na obrigação. Mas fui eu quem misturei os dois e me obriguei a atingir uma perfeição que na verdade nunca existiu. Meus pais nunca fizeram minhas provas por mim, e o estômago revirado no dia do vestibular era o meu. Quem sentia ciúmes do namorado também era eu.
Como eu achava que o problema era com eles (que feio, me estragaram), parecia não haver nada a ser feito. Mas na verdade essa era só a posição mais confortável que eu encontrei para ficar, não precisando me responsabilizar por mais este fardo: a mudança.
E isto seguiu até que um dia minha mãe disse que o bolo de cenoura que eu havia feito estava uma delícia. Foi mais fácil detectar a mentira do que o cheiro de queimado que ainda saia do forno. A primeira evidência era o cheiro, obviamente, a segunda foi que ninguém repetiu um pedaço e a terceira foi ela ter ido numa padaria e comprado uma torta mais cedo. Então meu bolo estava ruim, queimei as bordas e ele ficou seco, ela já previa que isto ia acontecer, então garantiu antes a sobremesa do jantar. Fiquei chocada! Primeiro me senti traída por causa da torta, depois fiquei brava com a mentira, e isto me permitiu responder “não ficou, não, está uma droga”. Ela começou a rir e disse “é, está seco, mas você arrasou na cobertura” – farei um parênteses aqui pra dizer que eu sempre arraso na cobertura de brigadeiro – então tive que concordar.
Neste dia eu desculpei minha mãe, que por querer me valorizar, me impedia de mudar e melhorar, de tentar fazer diferente. Desculpei também meu pai, que por querer me forçar a melhorar, não me permitia ficar satisfeita com minhas realizações. E finalmente entendi que eu mesma podia me julgar e decidir o que fazer com isto.
Fui desculpando todo mundo, do meus pais ao professor de educação física da escola, e até aquele cara que me xingou no trânsito. Mas ai percebi que já estava fazendo tudo errado de novo. Eu precisava era entrar em acordo comigo mesma. Demorou. Mas foi só no dia em que eu aceitei que eu era falha e que nunca seria perfeita foi que pude relaxar. Relaxar na medida do possível, pois sei que eu sempre busco fazer as coisas da melhor forma que encontro, mesmo sem saber que forma é essa, o que dificulta, e muito, minha satisfação. Então tá bom, eu sou assim, e agora, o que fazer com isso? Eu sigo tentando descobrir.