Publicado em Cartas, Textos

Dia dos Pais

Minha mãe perdeu o pai quando era bem jovem. Meu pai nunca conheceu o pai. E eu tenho, mas não tenho, pai. É complicado, vou tentar te explicar…  

Eu tenho, porque moramos juntos até meus treze anos. Mas ele não sabia qual era minha matéria favorita na escola, como eram minhas notas ou o que eu gostaria de fazer quando crescesse. 

Quando ele e minha mãe se separaram houve muita briga. Ele se afastou, roubou parte do patrimônio que construíram juntos e não pareceu se importar com o que tirou de mim e do meu irmão. Ele só nos levou para sair duas vezes, achava que nos ver em seu trabalho já era suficiente. Bem, não era. Também não pagou pensão, e ainda tentou me chantagear com esse dinheiro. Parando para pensar, acho que para ele tudo sempre girava em torno de dinheiro. 

Hoje, que sou mulher e adulta, fico ainda mais indignada com um homem que não assume a paternidade, não paga pensão e não se responsabiliza pelos filhos. Entrei para as estatísticas de brasileiros que foram criados apenas pela mãe. Essa sim sempre esteve ao meu lado.

Eu não tenho pai há pouco mais de dez anos. Em meio a uma briga, uma daquelas frequentes e pavorosas, eu me cansei. Cansei de ser o pombo correio entre o ex-casal, cansei das mentiras que ele contava e cansei de descobrir seus golpes. Sim, porque era exatamente isso que ele fazia. Tomei, por impulso, a sábia decisão de me afastar. 

E então cresci sem pai. Aprendi a conviver com uma falta que jamais será preenchida. Demorei alguns anos para conseguir lidar com o que sentia e largar uma culpa que não me pertencia. Tirei um peso enorme das costas no dia em que percebi que estava tudo bem não amá-lo, e que isso não fazia de mim nenhum monstro. “A gente não precisa amar quem machuca a gente”, repete comigo, repete quantas vezes precisar até você conseguir sentir. Foi assim que eu fiz. Demorou. 

Eu não sou mais criança para precisar aceitar seu comportamento sem poder reagir, tampouco sou inocente para lhe dar um título que ele nunca fez questão de usar. Aos poucos me refiz. Desde então, esse dia voltou a ser mais leve, porque aprendi a me virar sem ele, todos os dias.

Publicado em Cartas, Textos

Saudade

Estava aqui pensando e me lembrei de você. Na verdade, estava olhando para o teto e foi ele que me fez pensar em você, porque lembrei de todas aquelas tardes em que brincamos de fazer nada juntos. Poucos compromissos, nenhuma preocupação e absolutamente nada entre nós, ou, era o que eu achava.

Eu vou parar de enrolar e dizer de uma vez que estou escrevendo porque sinto saudade. É, falei mesmo, você sabe que eu não sou de dar voltas. Um “bocão”, como costumava me chamar.

Você foi um dia aquele que sabia de todos os meus pensamentos, que conseguia me decifrar apenas por um olhar, sabia me ler e me entender melhor do que eu mesma jamais fui capaz. Sempre tão presente, era pra ti que eu queria contar tudo o que me acontecia, era pra quem eu guardava uma piada boba ou um fato curioso, era como um verdadeiro travesseiro fofo para desabafos, meu espelho, que tão bem refletia e me fazia refletir sobre minhas atitudes.

Mas isso já faz tanto tempo! Nosso afastamento aconteceu de repente, e eu não o vi chegando, apesar de todos os indícios. Sei que para você doía continuar perto, mas do lado de cá doeu muito aprender a ficar longe. Senti sua falta lentamente, um pouco a cada dia. Pensei, repensei e pensei mais um pouco, mas nem pedir sua opinião eu podia… Me vi sozinha, sem meu melhor amigo para pedir um conselho e sem poder consolá-lo, já que fora eu a causadora da sua angústia.

Aqui nesse meu monólogo, o teto perguntou se hoje eu faria diferente, e mesmo depois de tantos anos eu não sou capaz de responder a essa pergunta. Porque eu não podia mudar o que eu sentia, ou melhor, o que eu não sentia por você. Queria ter feito melhor, é claro. Queria que nós tivéssemos lidado com isso juntos, mas nós dois saímos perdendo: você perdeu um amor que nunca foi seu, e eu perdi um amigo que, bem, será que foi meu algum dia? Me pego pensando sobre o que sentíamos ou achávamos sentir naquela época, dois adolescentes descobrindo o mundo. Eu ainda tinha tanta coisa para te contar, e nós podíamos ter vivido tantas histórias juntos.

Gostaria de ter tido mais tempo ao seu lado, mas eu não pude fazer nada a não ser aceitar sua decisão. Tudo aconteceu depressa, de um dia para o outro você já não me respondeu mais, deixou um buraco no meu peito e nas minhas tardes. Sinto saudade mesmo sem saber se a vida teria nos levado a caminhos diferentes, mesmo sem saber se nossa amizade teria durado. Às vezes me culpo por não ter correspondido aos seus sentimentos, mas na maior parte do tempo te culpo por tê-los sentido.

Eu sei que nunca mais voltaremos a ser o que já fomos um dia. Eu mudei, suponho que você também, e o vão que há entre nós é difícil de ignorar. Mas tem dias que eu só queria poder saber como você está, e também se você se pergunta sobre mim. Espero que sim.