Pisca-Pisca

Cheguei em casa e, ainda no escuro, procurei o fio da tomada que ligava os enfeites. Logo a sala foi invadida por luz e cores, muitas cores. Acende. Apaga. Pisca. Pisca. Era um alívio saber que eu não precisava acender a tediosa luz branca do cômodo no mês de dezembro. Não, durante trinta dias, minha casa era tomada por cores.

Abri as janelas para poder ver as luzes piscarem lá fora, no fio estendido em volta da pequena sacada do apartamento. A árvore, estrela do meu show, brilhava majestosa no canto da sala. E os pequenos enfeites faziam festa em volta dela. Todos os anos eu me preparava para o dia da decoração, colocando músicas natalinas para tocar e um gorro vermelho e branco na cabeça enquanto começava a tirar as caixas e sacolas do armário. Desembalar os enfeites era como reencontrar velhos conhecidos, estavam todos ali: o pequeno pinguim de pelúcia, a corujinha fantasiada de rena, os enfeitinhos de Papai Noel, em diferentes cores e tamanhos, e a miniatura de presépio que ganhei no último ano.

Eu arrisco o clichê de confessar que é o único período em que não me sinto sozinho dentro dos apertados sessenta metros quadrados em que vivo. As cores me acompanham aonde quer que eu vá e é a época do ano em que tudo vira festa, as pessoas ficam mais bem humoradas e os males se amenizam, ainda que temporariamente.

A noite de Natal passa muito rápido, não fazendo jus a tanto preparo e tempo que gastamos com ela. A hora da festa me traz sentimentos ambíguos, apesar de passar muitos dias ansioso por aquele momento, não há nada pior do que um feriado de família para te lembrar daqueles que já não estão mais aqui. Nada pior do que ouvir os colegas fazendo planos e saber que desta vez você não terá ninguém para dividir as festas, não haverá beijo à meia-noite e nem mesmo uma troca de mensagens. Desta vez fui só eu, eu e minha família, quero dizer, a família e  aqueles parentes que brigaram o ano todo, mas estavam ali marcando presença na sala de visitas.

Mesmo após uma semana, meu estômago ainda não se recuperara dos excessos da ceia. Todo o organismo se queixava: noites pouco e mal dormidas, música alta, parentes indesejados, saudades e comida, muita comida.

Depois de acender as centenas de pequenas lâmpadas, segui para a cozinha e abri a geladeira, todas as sobras ainda estavam lá, esquentei-as e revivi aquela refeição uma vez mais. Agora sozinho, na estreita mesa de dois lugares que preenchia a cozinha. Comi olhando para os reflexos que as luzes vindas da sala faziam na parede.

Voltei para a sala, sem me dar ao trabalho de recolher a louça suja – vantagens de morar sozinho. Sentei de frente para a árvore e observei. Acende. Apaga. Pisca. Pisca. Reparei que uma lâmpada estava queimada e não acompanhava mais a dança de suas companheiras. Olhei para os lados mas não havia ninguém com quem comentar – desvantagens de morar sozinho.

Sentado ali, me dei conta de que não queria desmontar a decoração, porque isso significava admitir que a festa acabou, que um novo ano começaria e que as promessas de emagrecer e ser mais produtivo deveriam ser colocadas em prática. Não queria voltar a chegar em casa e encontrar apenas uma deprimente luz branca e opaca. Não queria voltar ao trabalho e nem encarar as filas de estacionamento do shopping para trocar aquela camiseta apertada que ganhei da minha avó.

Natal não é só festa, é uma pausa, é quando a vida fica um pouquinho mais descomplicada e a gente não se cobra para obter metas e resultados, é quando aceitamos andar mais devagar, sair para passear e não fazer nada além de observar a decoração e detalhes dos outros prédios. Quando nos permitimos elogiar uns aos outros, reconhecendo cada feito. E assim que ele acaba é preciso voltar para a superfície, para a rotina. A única esperança é saber que em alguns meses ele estará de volta para nos preencher de luz. Acende. Apaga. Pisca. Pisca.

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